Entrevista com Charles Chaplin



Charles Chaplin (1889-1977). Foi ator, diretor, roteirista e músico inglês. Atuou, dirigiu, escreveu, produziu e financiou seus próprios filmes, tornando-se um ícone do cinema mudo.
O Grande Ditador (1940) foi o seu primeiro filme falado e também uma crítica a Adolf Hitler e ao fascismo.
VRB – Chaplin, qual o seu conceito de arte?

Chaplin – A Arte é um sentimento difícil de ser definido. O seu tema, por mais importante e grandioso que seja, pode sempre ser simplificado ao ponto de ser compreensível por todas as pessoas. É aí então que a Arte atinge a sua forma mais sublime.
A arte é uma emoção adicional justaposta a uma técnica apurada.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nós nos desviamos dele. A cobiça envenenou a alma dos homens.

VRB – A beleza é um sentimento pessoal. É o objeto da arte, embora varie segundo a concepção da cada escola. Para uns, a beleza é a sua razão de ser. Uma forma de encantamento que dá sentido a existência.

Chaplin – A beleza é a única coisa preciosa na vida. É difícil encontrá-la - mas, quem consegue, descobre tudo.
A beleza existe em tudo - tanto no bem quanto no mal. Mas somente os artistas e poetas sabem encontrá-la.
A beleza é, no meu entender, uma onipresença da morte e do encanto, uma risonha melancolia que discernimos em todas as coisas da Natureza e da existência, essa comunhão mística que sente o poeta... algo assim como um raio de sol dourado e poeira que esvoaça, ou como uma rosa caída na sarjeta.
Amo a tragédia porque ela é bela. A única comédia que vale a pena é aquela que contém a beleza.

VRB – O que você considera mais importante num filme? O seu temário? A sua técnica? A fidelidade ao real?

Chaplin – Num filme o que importa não é a realidade, mas o que dela possa extrair a imaginação.
Depois de tantos anos de trabalho e experiência, descobri que as idéias de meus filmes surgem em conseqüência do intenso desejo de concebê-las. Provocada por esse desejo, a mente se torna uma espécie de torre de observação à espreita de incidentes que possam excitar imaginação: música, crepúsculos, qualquer coisa, enfim, pode ser a imagem capaz de inspirar uma idéia. Quando descobrimos um assunto capaz de estimulá-la, elaboramos os pormenores e desenvolvemos tal idéia, ou, se isso não é possível, descartamo-nos dela e procuramos outra. Acumulação e eliminação representam o processo pelo qual acabamos chegando ao que desejamos.

VRB – Qual dos seus filmes você julga o melhor?

Chaplin – Creio que Monsieur Verdoux é o melhor e o mais brilhante dos filmes que já fiz.

VRB – Carlitos foi uma personagem que ganhou uma dimensão humana internacional, tal como Édipo, Hamlet e Otelo, por exemplo. O que o inspirou a criá-la?

Chaplin – Muita gente me pergunta onde foi que me inspirei para criar a minha personagem. Na verdade, Carlitos aparece como sendo a síntese de muitos ingleses que eu via em Londres quando era jovem: tipos de pequena estatura, do bigodinhos pretos, roupas bem justas, e sempre portando uma bengala de bambu. A idéia da bengalinha foi a mais feliz de todas, pois foi ela que caracterizou a personagem e a tornou conhecida mais rapidamente. Desenvolvi o seu uso ao ponto de torná-la cômica por si só - por exemplo, quando ela se enroscava no pé de alguém ou puxava uma pessoa pelo ombro. Muitas dessas cenas acabavam por se tornar, inesperadamente, muito engraçadas.

VRB – O sucesso é a realização de uma meta e, assim, varia de pessoa a pessoa. No seu caso, o que concorreu para o seu sucesso?

Chaplin – Conhecer o homem - esta é a base de todo o sucesso.
Estudei o homem, porque se assim não o fizesse, não conseguiria realizar nada em meu ofício.

VRB – O cômico é sempre difícil, porque facilmente satura. O trágico tem uma duração ilimitada, porque parece um arquétipo da natureza humana.

Chaplin - Na criação de comédia, por mais paradoxal que isso pareça, o senso do ridículo é estimulado pela tragédia; pois o ridículo, creio eu, contém um desafio: devemos rir do nosso desamparo na luta contra as forças da Natureza... para não enlouquecer.

VRB – Qual a técnica para evitar a obsolescência da comicidade?

Chaplin – Uma das coisas que sempre procuro evitar é não exagerar ou insistir demasiadamente num ponto determinado. Quando se exagera na comicidade, a cena deixa de produzir risos e nada acrescenta ao filme.

VRB – Então, ser comedido é uma das virtudes do artista? Parece-me que não. O artista é quase sempre um exagerado, não raro um excêntrico.

Chaplin – Ser comedido é algo muito importante, não somente para um ator, mas para qualquer pessoa. Moderar o temperamento, os apetites, os maus hábitos e todas outras coisas é uma necessidade.
Toda vez que assisto a um dos meus filmes, quando ele é apresentado pela primeira vez ao público, eu presto mais atenção na reação das pessoas do que na própria película - nas situações que causam o riso e nas que não causam.
De certa forma, sempre que vou ver um de meus próprios filmes, eu me comporto como um comerciante qualquer que fica observando quais as mercadorias que seus clientes gostam de comprar.

VRB – Ademais, o riso é um benefício para a saúde física e mental.

Chaplin - O humorismo nos alivia das vicissitudes da vida, ativando o nosso senso de proporção e nos revelando que a seriedade exagerada tende ao absurdo.

VRB – O humorismo foi a marca de sua personalidade?

Chaplin - No fundo, sou um pierrô sentimental.

VRB – O que o tornou um mestre da pantomima? Inspirou-se em alguém como modelo?

Chaplin - Sem minha mãe, acho que jamais teria me saído bem na pantomima. Ela possuía a mímica mais notável que já vi. Às vezes, ficava durante horas à janela, olhando para a rua e reproduzindo com as mãos, os olhos e a expressão de sua fisionomia tudo o que se passava lá embaixo. E foi observando-a assim que eu aprendi não somente a traduzir as emoções com as minhas mãos e meu rosto, mas sobretudo a estudar o homem.

VRB – Que influência teve a sua infância em sua vida?

Chaplin – As lembranças dos meus primeiros tempos ainda estão muito vivas. É difícil para mim falar dessa época. No entanto, penso muito nela.
Às vezes fico pensando se eu existiria como sou se tivesse nascido filho de um rico nobre; mas como é que se pode responder a uma coisa dessas? Nossas experiências iniciais ficam com a gente e moldam o nosso futu­ro.
Uma pessoa pode ter uma infância triste e mesmo assim chegar a ser muito feliz na maturidade. Da mesma forma, pode nascer num berço de ouro e sentir-se enjaulada pelo resto da vida.

VRB – Todas as pessoas (ou quase todas) têm os seus fantasmas, que, geralmente, as perseguem por toda a vida. Quais são os seus fantasma?

Chaplin - Durante a infância, a fome e o medo do amanhã eram duas constantes em minha existência. Por mais rico que possa vir a ser, jamais conseguirei me libertar desse medo. Sinto-me como um homem perseguido por um fantasma - o fantasma da pobreza.

VRB – É arte de representar um talento inato ou aprendido? Mesmo sendo um talento, deve ser aprimorado?

Chaplin – Não creio que a arte de representar possa ser ensinada. Já vi pessoas inteligentes fracassarem e pessoas estúpidas se saírem muito bem. O que a representação requer não é senão sentimento.
Jamais estudei arte de representar, mas, quando menino, vivi numa era de grandes atores e adquiri, por extensão, muito dos seus conhecimentos e experiências. Embora eu tivesse dons, ficava surpreendido, nos ensaios, ao descobrir quanto eu tinha que aprender a respeito da técnica de representar. Mesmo os principiantes com talento devem aprender a técnica, não importa quão bem dotados sejam, pois só assim as suas habilidades se tornarão eficientes.
Quando comecei a fazer filmes cômicos fazia só pelo dinheiro - a arte apareceu por acaso. Se isso decepcionar alguém, nada posso fazer. É a verdade.

VRB – É óbvio que o dinheiro resolve muitos problemas, mas não todos. Há pessoas cujo grande problema é ganhar cada vez mais dinheiro. Então, ganhar dinheiro e mais dinheiro passa a ser uma obsessão, um vício.

Chaplin – Mais dinheiro significa mais problemas. Quando era criança pobre passei por muitos infortúnios... o dinheiro me trouxe outros.

VRB – O que há de comum entre você e Carlitos?

Chaplin - Na_verdade a personagem Carlitos - essa figura que não sou eu, mas que se assemelha comigo como a um irmão - é para mim uma terrível responsabilidade.

VRB – A criação artística e literária é quase sempre uma catarse.Você representou magistralmente a personalidade de Hitler no seu filme O Grande Ditador. O que significou essa representação para você? Até que ponto se envolveu e se identificou com a personalidade de um ditador?

Chaplin – Todas as minhas aspirações secretas, contidas, são satisfeitas quando escrevo e realizo um filme como O Grande Ditador. Entre o ditador e eu, não consigo distinguir qual é o verdadeiro Chaplin.

VRB – Que outras personalidades você gostaria de representar? Seria fiel a elas ou as recriaria?

Chaplin – As duas personalidades que eu mais desejaria recriar em um filme seriam Napoleão e Jesus Cristo... Não representaria Napoleão como um general poderoso, mas como um ser fraco, taciturno, quase melancólico e sempre importunado pelos membros de sua família. Quanto ao Cristo, gostaria também de modificá-lo no espírito das massas. Acho que a personagem mais forte, mais dinâmica e mais impor­tante que já existiu, acabou por ser terrivelmente deformada pela tradição. Mostrá-lo-ia, então, acolhido em delírio por homens, mulheres, e crianças. As pessoas iriam ao seu encontro para sentir seu magnetismo. Não mais seria um homem piedoso, triste e distanciado; um solitário que acabou por ser o maior incompreendido de todos os tempos.

VRB – A opinião pública influiu em sua carreira cinematográfica?

Chaplin – Em toda a minha carreira cinematográfica sempre me guiei, em grande parte, pela opinião pública. Essa opinião chegava a mim através de cartas que recebia, em conversas pessoais, mas sobretudo por intermédio da imprensa. Do mesmo modo, também me convenci de que a contribuição que estou prestando com a realização de meus filmes é bem maior do que aquela que poderia oferecer se estivesse nas trincheiras servindo à causa da guerra.

VRB – Há pessoas que pensam - inclusive eu - que o patriotismo é um sentimento até certo ponto mórbido, porque resulta em fanatismo beligerante e preconceito contra outros povos.

Chaplin - De fato, não sou um patriota - e não somente por motivos morais ou intelectuais, mas também porque é sentimento que não possuo. Como tolerar patriotismo quando em seu nome foram assassinados seis milhões de judeus? Pode-se dizer que isso aconteceu na Alemanha; não obstante, esses impulsos homicidas estão latentes em todas as nações.
Se matamos uma só pessoa, somos assassinos. Se matamos milhões de homens, celebram-nos como heróis. Felicitam-se os que inventam bombas para matar mulheres e crianças.

VRB – Há algum político oculto em Charles Chaplin?

Chaplinn – Não sou político; sou prin­cipalmente um individualista. Creio na liberdade; nisso se resume a minha política... Sou pelos homens; essa é a minha natureza.

VRB – Entendo a política como a mais bem sucedida arte de mentir.

Chaplin – Não faço de nenhum polí­tico do passado ou do pre­sente um herói digno de ser adorado.

VRB – Por isso, é necessário estarmos atentos ao que se passa no mundo da política para não sermos envolvidos e manipulados pelas tramas e sortilégios dos seus participantes.

Chaplin – Ignorar a situação política do mundo em que vivemos seria como esconder a ca­beça na areia. É preciso ser muito idiota para tentar ignorá-la, quando todos nós fazemos parte dela.

VRB – Todos nós temos um ideário de valores. Qual é o seu?

Chaplin – Sou um defensor da liber­dade, da justiça e da verdade. Certamente não pretendo fa­zer nenhuma revolução - não é a minha vocação. Sou a favor do povo.

VRB – Como Chaplin se percebe no mundo? Sente que faz parte dele ou se sente um estrangeiro? Pensa que o conhece ou se sente confuso no seu relacionamento com ele?

Chaplin – Faço parte do mundo - e no entanto ele me torna per­plexo.
Durante mais de trinta anos, vivi num autêntico aquário. Toda a minha vida era submetida à publicidade e a toda espécie de pressões. Mas, quaisquer que sejam as minhas opiniões pessoais, insisto na sua integridade ina­balável. Mantenho-me nelas e assim farei até que encontre razões válidas para as aban­donar.

VRB – E em relação ao mundo artístico?

Chaplin - Receio pelo nosso futuro. Nosso mundo já não é o mundo dos grandes artistas. É um mundo espumante, agi­tado, amargo, um mundo in­vadido, inundado pela políti­ca...

VRB – As religiões sempre exaltaram a pobreza e satanizaram a riqueza. Por que a pobreza é uma virtude? O pobre gosta de ser pobre ou, na verdade, ele deseja sair da pobreza, embora nem todos anseiem pela riqueza?

Chaplin – Nunca achei a pobreza atrativa nem edificante. O que ela me ensinou foi só uma distorção de valores. Fortuna e fama, por outra parte, ensinaram-me a ver o mundo tal como é, a desco­brir que homens das mais elevadas posições se mos­tram, quando observados de perto, com tantas deficiên­cias como o resto de nós. Fortuna e fama também me ensinaram a ter desdém pelos brasões e pelas comendas, que não passam de pretensiosidades. Ensinaram-me a conhecer que o mérito e a in­teligência dos homens não podem ser julgados pelos requintes de pronúncia aprendidos em universidades -mito que tem exercido in­fluência paralisante no espí­rito das classes médias ingle­sas. Ensinaram-me a saber que inteligência não é neces­sariamente produto de edu­cação ou conhecimento dos clássicos.

VRB – A existência tem algum sentido? Ou somos nós que damos sentido à existência?

Chaplin – Não posso crer que nossa existência não tenha sentido, que seja mero acidente, como nos querem convencer alguns cientistas. A vida e a morte são determinadas de­mais, por demais implacáveis, para que sejam pura­mente acidentais.

VRB – A emoção é um dos alicerces da pessoa humana. A razão, por si só, não constrói o entendimento do mundo. Como o cinema pode contribuir para a compreensão do ser humano?

Chaplin – Creio no riso e nas lágri­mas como antídotos contra o ódio e o terror. Os bons fil­mes constituem uma lingua­gem internacional, respon­dem à necessidade que os homens têm de alegria, de piedade e de compreensão. São um meio de dissipar a onda de angústia e de medo que invade o mundo de hoje... Se pudéssemos pelo me­nos trocar entre as nações, em grande quantidade, os filmes que não constituem uma propaganda agressiva, mas que falam a linguagem simples dos homens e das mulheres simples... isso po­deria contribuir para salvar o mundo do desastre.

VRB – As religiões dão muita ênfase ao sofrimento e quase nenhuma importância à alegria.

Chaplin – Estou sempre alegre - essa é a minha maneira de re­solver os problemas da vida. Tenho a impressão de que os homens estão perdendo o dom do riso.

VRB – Há algum país que você especialmente admira?

Chaplin – Para mim, a Itália repre­senta o berço da cultura, da arte e do progresso. Mas sua primeira qualidade é a bele­za.

VRB – Para o místico, o silêncio é o caminho da compreensão, da autodescoberta, da libertação dos condicionamentos. É difícil encontrar o silêncio no mundo cada vez mais ruidoso. Parece que o barulho exterior protege as pessoas contra o silêncio que as intimida.

Chaplin – O silêncio - algo que não pode ser comprado - quantos de nós saberíamos defrontá-lo? Os ricos compram o barulho. No entanto, nosso espírito se realiza quando estamos mergulhados no silêncio natural - esse silêncio que jamais recusa aqueles que o procuram..
O som aniquila a grande beleza do silêncio.

VRB – Caso você tenha fé, que importância tem ela em sua vida?

Chaplin – À medida que vou envelhecendo, mais me preocupa a questão da fé. Ela está em nossa vida bem mais do que supomos e inspira as nossas ações bem mais do que imaginamos. Creio que a fé é precursora de todas as nossas idéias. Sem fé não teríamos criado hipóteses, teorias, ciência ou matemática. Penso que a fé é uma extensão do espírito. É a chave que abre a porta do impossível. Negar a fé é refutar a si mesmo e ao espírito que gera todas as nossas forças criadoras.
Minha fé é no desconhecido, em tudo que não podemos compreender por meio da razão; creio que o que está acima do nosso entendimento é apenas um fato em outras dimensões e que no reino do desconhecido há uma infinita reserva de poder.

VRB – Qual a sua opinião sobre os literatos, os artistas e os cientistas?

Chaplin – Os literatos são encantadores, porém não muito dadivosos; transmitem raramente aos outros o que sabem; na grande maioria, escondem-no sob a capa de seus livros.
Os cientistas podem ser ótimos companheiros, mas sua mera presença num salão inibe a inteligência dos demais. Os pintores aborrecem, porque, na maior parte, gostariam de nos convencer que são mais filósofos do que pintores. Sem dúvida, os poetas constituem uma classe superior e como indivíduos são agradáveis, tolerantes e de excelente convívio. Creio, entretanto, que os músicos em geral têm mais senso de cooperação do que qualquer outra espécie de gente.

VRB – Há pessoas que só se sentem bem na solidão. É nela que se reconstroem e aprendem a conviver consigo mesmas. Por isso, se afastam do tumulto da multidão, embora não vivam como anacoretas.

Chaplin – A solidão é repelente. Tem uma aura de tristeza, uma inadequação para atrair ou interessar, a tal ponto que nos sentimos ligeiramente envergonhados quando ela nos rodeia. Mas, num grau maior ou menor, atinge a todos.

VRB – É o ser humano o resultado de sua estrutura genética ou dos condicionamentos sociais ou, ainda, de uma combinação entre esses dois elementos?

Chaplin – A Humanidade não se divide em heróis e tiranos. Suas paixões, boas e más, foram-lhes dadas pela sociedade, não pela Natureza.

VRB – Qual a importância da sexualidade na vida do ser humano?

Chaplin – Procriar é a principal ocupação da natureza e todo homem, seja moço ou velho, quando vem a conhecer uma mulher indaga a si mesmo que possibilidades haverá de relação sexual entre os dois. E era sempre o que acontecia comigo.

VRB – Todas as suas criações o emocionam? Acha que, por isso, elas contagiam o público?

Chaplin – Se o autor não se emociona com a sua própria criação, dificilmente pode esperar que outros o façam. Com franqueza, divirto-me com as minhas comédias mais do que o público.

VRB – Em todas as épocas tudo está em transição, embora o ritmo das mudanças possa ser rápido ou lento. Na nossa época, no entanto, as mudanças estão intensamente aceleradas e, por isso, deixando as pessoas comuns, principalmente, as mais velhas, perdidas e confusas.

Chaplin – Creio que é oportuno transmitir a impressão que tenho sobre a situação do mundo. A complexidade crescente da vida moderna e o ritmo alucinante do século XX encurralaram o homem em gigantescas instituições que o ameaçam por todas as formas, política, científica e economicamente. Começamos a sofrer como que um condicionamento da alma, submetidos a sanções e permissões.
Essa matriz a que temos de nos amoldar deve-se à carência de uma concepção cultural. Entramos às cegas numa existência feia e congestionada. Perdemos a noção do belo. O sentido do nosso viver está sendo embotado pela preocupação do lucro, pelo poder e pelo monopólio. E temos consentido que tais forças nos envolvam, sem nos dar conta das suas conseqüências nefastas.
Sem filosofia orientadora e sem o senso de responsabilidade, a ciência entregou a políticos e militares armas tão destruidoras que eles têm nas mãos o destino de todos os viventes sobre a Terra.

VRB – O acelerado processo da ciência e da tecnologia ensejou um preocupante descompasso com os padrões éticos e morais da humanidade, abalados, por sua vez, pelo fenômeno da globalização e o inevitável confronto entre as culturas.

Chaplin – O homem é um animal com instintos elementares de sobrevivência. Por conseguinte, desenvolveu primeiramente a sua engenhosidade e só depois a sua alma. Assim, o progresso da ciência tem sido muito mais rápido do que o da conduta moral do homem.

VRB – Qual seria, então, a solução para esse impasse? Os povos, na quase totalidade, desconhecem os verdadeiros desafios do nosso mundo tecnológico, assim como a gravidade e a dimensão de seus problemas. As pessoas vivem deslumbradas em um mundo de tantas maravilhas e os dirigentes das nações poderosas estão embevecidos pelo poder e as possibilidades de dominação sobre os outros povos, principalmente aqueles que lhes são concorrentes.

Chaplin – Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade.
Disse Carlyle que a salvação do mundo será obtida quando o povo der para pensar. Mas, a fim de que tal aconteça, é preciso que o povo se veja diante de grave desafio.
Ora, dividindo o átomo, o homem ficou encurralado e na obrigação de pensar. Tem de escolher entre a própria destruição ou uma conduta ajuizada. O avanço da ciência força-o a fazer a opção. Creio que o altruísmo acabará por vencer e há de imperar o amor pela humanidade.

VRB – Então...

Chaplin – Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à juventude e segurança à velhi­ce.

VRB – Embora eu seja um cético em relação a isso, espero que essa sua esperança se concretize.
Mas, finalizando a entrevista, como você se sente na condição de uma pessoa famosa em um mundo cada vez mais competitivo?

Chaplin – Reconheço que o tempo e as circunstâncias me têm favorecido. O mundo cumulou-me de afeições, inspirei amor e também ódio. Deu-me a vida o que havia de melhor e um pouco do pior. Quaisquer que tenham sido as minhas vicissitudes, creio que a ventura e a desventura são filhas do acaso, pairando como nuvens sobre o nosso destino. Com essa compreensão, nunca me abalam demais as coisas ruins que me acontecem, ou agradavelmente surpreendido pelo que vem de bom. Não sigo um roteiro de existência, nenhuma filosofia... Sábios ou tolos, temos todos que batalhar com a vida. Oscilo em meio a contradições: exasperam-me às vezes fatos mínimos, e catástrofes poderão deixar-me indiferente. Contudo, a minha vida é hoje mais apaixonante do que nunca.
Fonte: Valter da Rosa Borges

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