Entrevista com Fernando Pessoa



Fernando Pessoa (1888-1935). Um dos maiores poetas de Portugal
O crítico literário Harold Bloom considerou-o o mais representativo poeta do século XX ao lado de Pablo Neruda.
Assumiu personalidades fictícias conhecidas como heterônimos, que se fizeram autores de várias de suas obras.
VRB – Fernando Pessoa: por que um poeta?

Fernando Pessoa – Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho.

VRB – A realidade é sempre nova. Viver, é permanente descoberta?

Fernando Pessoa – A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

VRB – Há uma realidade além da realidade física?

Fernando Pessoa – Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.

VRB – O que é amar?

Fernando Pessoa – Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

VRB – A inocência de não pensar é uma metafísica?

Fernando Pessoa – Há metafísica bastante em não pensar em nada.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos... Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é, Mas porque a amo, e amo-a por isso, Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

VRB – O que você pensa sobre o mundo

Fernando Pessoa – Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos)


VRB – Há mistérios na vida ou a vida é o maior de todos os mistérios?

Fernando Pessoa – O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos.
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.

VRB – Tudo o que existe tem um sentido?

Fernando Pessoa – O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Eu vejo ausência de significação em todas as coisas;
Vejo-me e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada.
O ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as coisas.

VRB – A riqueza é um conceito que varia de pessoa a pessoa.

Fernando Pessoa – Nossa única riqueza é ver.

VRB – O egoísmo é natural em todos os seres vivos. De que modo você é egoísta?

Fernando Pessoa – (Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com o florir e ir correndo.
- essa a única missão no Mundo,
Essa — existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso.)

VRB – Há metafísicos que afirmam que a consciência não é privativa dos seres humanos e está, em maior ou menor grau, em tudo o que existe.

Fernando Pessoa – Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas coisas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos...

VRB – As pessoas gostam de recordar o que viveram, como uma forma psicológica de reviver o passado.

Fernando Pessoa – A recordação é uma traição à Natureza.
Porque a Natureza de ontem
não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar é não ver.

VRB – É muito comum se dizer: somos o que somos interiormente. O que você pensa sobre isso?

Fernando Pessoa – Antes de sermos interior somos exterior.
Por isso, somos exterior essencialmente.

VRB – A liberdade tem sido uma das grandes aspirações do ser humano. Somos livres ou apenas produtos de nossos condicionamentos culturais?

Fernando Pessoa – Só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.

VRB – Tudo o que fomos, agora é sonho. Então é o nosso presente nada mais do que uma máquina de sonhos.

Fernando Pessoa – Quem sou e quem fui
São sonhos diferentes.

VRB – Os sentimentos bons ou maus nos acorrentam. Há as algemas do amor. Há as algemas do ódio. Como nos libertarmos dos afetos que nos aprisionam?

Fernando Pessoa – Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.

VRB – Somos só a nossa autenticidade, ou os outros nos acrescenta?

Fernando Pessoa – Ninguém te dá quem és.

VRB – É o amor que temos a alguém uma mera projeção de nós mesmos?

Fernando Pessoa – Ninguém a outro ama, senão que ama
O que de si há nele, ou é suposto.

VRB – Só existe ação verdadeira quando nada somos senão ela.

Fernando Pessoa – Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

VRB – A quem é feliz, o que acresce a esperança?

Fernando Pessoa – O que nada espera
Tudo que vem é grato.

VRB – Qual o nosso erro maior?

Fernando Pessoa – O erro de querer ser igual a alguém.

VRB – Tudo o que temos é hoje.

Fernando Pessoa – Colhe o dia, porque és ele.

VRB – O que somos nos é pouco. Queremos ser mais de um.

Fernando Pessoa – Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.

VRB – Tudo o que não podemos, virá deuses.

Fernando Pessoa – Os deuses
Dão vida e não verdade, nem talvez
Saibam qual a verdade.

VRB – Para muitas pessoas o desconhecido apavora.

Fernando Pessoa – Mas o que é conhecido? O que tu conheces
Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

VRB – Ansiamos pelo infinito.

Fernando Pessoa – Amanhã é infinito.

VRB – Escrevemos, ou algo escreve por nós?

Fernando Pessoa – Depois de escrever, leio...
Por que escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

VRB – Há volta para o que foi?

Fernando Pessoa – Nunca voltarei porque nunca se volta.

VRB – Há ocasiões em que a consciência dói. Então queremos a anestesia de um breve repouso no nada.

Fernando Pessoa – Trouxe comigo o espinho essencial de ser consciente,
A vaga náusea, a doença incerta, de me sentir.

VRB – Toda conclusão é uma porta que se fecha.

Fernando Pessoa – Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

VRB – As coisas têm algum sentido?

Fernando Pessoa – O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Eu vejo ausência de significação em todas as coisas;
Vejo-me e amo-me, porque ser uma coisa é não significar nada.

VRB – A nossa maior liberdade é não sermos indispensáveis a ninguém.

Fernando Pessoa – Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.
A realidade não precisa de mim.

VRB – Viver só por viver é viver e nada mais.
Fernando Pessoa - Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
VRB – Tudo o que passou, é lição? Tudo que passou, vale a pena?

Fernando Pessoa – Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

VRB – Quem vive à superfície de si, o que de si ignora?

Fernando Pessoa - Quem sou é quem me ignoro e vive Através dessa névoa que sou eu Todas as vidas que eu outrora tive, Numa só vida.

VRB – Por que não somos um, somos um paradoxo.

Fernando Pessoa – Às vezes sou o Deus que trago em mim E então eu sou o Deus, o crente e a prece E a imagem de marfim Em que esse Deus se esquece. Às vezes não sou mais que um ateu Desse Deus meu que eu sou quando me exalto. Olho em mim todo um céu E é um mero oco céu alto.

VRB – O que fazer da dor quando inevitável?

Fernando Pessoa – Deixa a dor nas aras como ex-voto aos deuses.

VRB – O que de excelência os deuses superam o ser humano?

Fernando Pessoa – Os deuses são deuses Porque não se pensam.
Fonte: Valter da Rosa Borges

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